Na minha casa é impossível encontrar um local silencioso e isolado de tudo.
Tenho um cão pequeno que parece não ligar nenhuma para o meu tempo de meditação e vivo num apartamento rés-do-chão, virado para uma estrada movimentada. Entre o entra e sai dos vizinhos, a passagem constante de carros e motas, a paragem do autocarro e o correr e ladrar do cão, torna-se uma missão impossível não ouvir nada.
Nas minhas meditações matinais lá ficava eu concentrada em afastar os meus pensamentos e sempre à espera do momento em que iria conseguir fazer desaparecer tudo à minha volta.
Numa manhã dei-me conta que tudo à minha volta desaparecia sim, não quando eu estava mais conectada comigo própria, mas quando me perdia nos meus pensamentos.
Dei-me conta que, sempre que me "apanhava" a pensar em alguma coisa e mandava esse pensamento embora, voltava a ouvir os carros a passar, os passos das pessoas na rua, o barulho do mar!
Dei-me conta, por outro lado, que sempre que vinha um pensamento à mente, deixava de ouvir o que quer que fosse e que afinal era quando não estava a pensar em nada, quando estava no momento presente, que voltava a ter contacto com o mundo.
Isto tem-me feito pensar desde então!
Recomendo sempre a meditação como um exercício de controle da mente.
É uma prática que nos permite recuperar o controle da nossa vida, tomando as rédeas do que se passa na nossa mente, em vez de ser-mos controlados por ela. Além disso, fazer meditação é estar no momento presente, já que os nossos pensamentos em geral ou estão no passado ou no futuro, e estar no momento presente é viver a vida no agora.
Mas viver a vida no agora deverá ser mais do que só estar no momento presente.
É viver de forma consciente e interativa com o Mundo e o Universo, com consciencialização de tudo o que se passa à nossa volta.
Para esse efeito, meditar é um método excelente, uma vez que para os nossos pensamentos e nos permite conectar com o momento presente, mas aqui não estamos a falar de meditar como forma de nos abstrairmos de tudo, mas sim como forma de interagirmos com tudo o que nos rodeia e nós próprios.
A nossa consciência do Mundo é captada pelos nossos seis sentidos: a visão, a audição, o tato, o paladar, o olfato e a intuição. Este é o presente que o Criador nos deu para que possamos estar presentes e vivenciar a vida.
Em todo e qualquer momento todos estes sentidos estão a colher informação e a integrar-nos, de acordo com a nossa perceção individual, com o resto do Mundo.
Mas enquanto estamos a pensar, todos estes sentidos "apagam-se", e isto por um motivo muito simples, o nosso consciente não consegue fazer duas coisas ao mesmo tempo.
Nem sempre damos conta que isto acontece, aliás, quase nunca damos conta que isto acontece, por dois motivos, em primeiro, a transição constante entre os nossos pensamentos e a nossa consciência através dos nossos sentidos normalmente é tão rápida que não percebemos que isto acontece. Em segundo, o nosso cérebro está programado para preencher os espaços vazios (aqueles em que a consciência fica "adormecida", ocupada com os pensamentos da mente), enchendo-os com a informação que lhe parece mais lógica e verdadeira, de acordo com a informação que possui.
Esta informação, cedida pela nossa mente, nem sempre é assim tão verdadeira, correspondendo às nossas crenças e não à verdade.
E esta transição nem sempre é assim tão rápida e quando a mente está perdida em pensamentos por longos períodos de tempo, não é rara a ocasião em que momentos da nossa vida simplesmente desaparecem.
Especialmente nos momentos em que existe uma carga emocional muito forte, algo que está a afetar-nos profundamente, seja raiva, medo ansiedade, desespero ... os nossos pensamentos começam a desenrolar-se a uma velocidade vertiginosa e é-nos praticamente impossível conseguir parar de pensar.
Nestas alturas, seja durante uns minutos ou horas, literalmente o nosso mundo apaga-se e não vemos nada, não ouvimos nada, não sentimos (através da pele) nada, não temos o sabor de nada, não temos o cheiro de nada e não sentimos (com o coração) nada!
Para explicar um pouco melhor vou dar alguns exemplos.
Quantas vezes já te aconteceu ires a conduzir e depois de chegares ao teu destino e não te lembrares de teres visto uma boa parte do percurso, ou ires a caminhar e passar por alguém que conheces ou pelo local do teu destino e continuares a caminhar porque simplesmente não viste?
Ou já te aconteceu, após uma refeição num momento em que estavas transtornado com alguma coisa, dizeres, "nem me soube a nada"?
Ou estares perdido nos teus pensamentos e alguém estar a chamar por ti, mesmo ao teu lado, e simplesmente não ouvires?
Estes casos são mais comuns e reconhecidos pela maioria das pessoas, embora muita gente não perceba o que está a acontecer e porque está a acontecer. Mas são muitos, muitos mesmo, os momentos no dia-a-dia em que interrompemos a nossa perceção do mundo, a nossa consciência, a nossa vida, e não damos conta.
Sempre que um pensamento vem à cabeça a interrupção é feita.
Por exemplo, vais a caminhar à beira mar e a ouvir o barulho do mar, mas quando pensas em algo interrompes o que ouves. Logo a seguir voltas a focar-te no barulho do mar e interrompes os teus pensamentos.
Fazes isto sem dares conta que o fazes! É um processo mental automático, e chegas a casa com a ilusão que estiveste a dar a tua caminhada e SEMPRE a ouvir o barulho do mar, mas não foi bem assim.
Que experiências perdeste durante esses momentos de pensamento? Talvez nada de especial, talvez algo fantástico, talvez momentos de vida de apreciação e inspiração ...
E assim sendo, quando tu estás com alguém, seja um companheiro, um filho, um amigo, estás verdadeiramente a sentir o abraço ou a completar os espaços vazios com as crenças da tua mente?
Quando tens uma conversa com alguém estás verdadeiramente a ouvir o que te estão a dizer ou a completar os espaços vazios com as crenças da tua mente?
Já ouviste a expressão, "Quem conta um conto acrescenta um ponto"? Não é só quem conta um conto ... todos nós fazemos isto o tempo todo, uns mais do que os outros, mas todos nós, porque não estamos focados no presente, e sempre que temos uma conversa com alguém e muito naturalmente durante a conversa a nossa mente divaga para um outro pensamento, no final parece que ouvimos tudo, mas não, o que ouvimos foi o que nos foi dito misturado com os pedaços criados por nós para completar os espaços vazios.
Já consegues perceber de onde vêm os mal entendidos?
Estar no presente é então parar de pensar e ativar de forma consciente os seis sentidos.
Se leste isto até ao fim, para agora por uns minutos e conecta-te com o Universo.
Ouve com atenção o que se passa à tua volta, sente o cheiro do local onde estás ou das tuas roupas, olha e presta atenção a todos os pormenores que te rodeiam, nem que seja os detalhes de uma cadeira, as cores de um azulejo, sente a tua pele e o ar ou as roupas em contacto com ela, sente os materiais em que estás a tocar, mais moles ou mais duros, mais suaves ou mais ásperos. Come alguma coisa e aprecia o seu sabor, desde o minuto em toca os teus lábios até ao final em que fica o resto do sabor na tua boca, e sente o que estás a sentir, não tentes pensar no que é ou de onde vêm os sentimentos, apenas sente! Apenas vive!