Odiar é uma palavra forte, não é? Mas, e se eu te perguntar se há alguma coisa que detestas muito? Uma coisa ou uma pessoa que não suportas ver ou saber a respeito, um tipo de comportamento, um evento social ou o estado do tempo, ou até algo tão simples como uma comida ou bebida que detestas muito ver à mesa. Tens alguma coisa assim?
Porque se sim, então odeias essa coisa.
Afinal, o que é o odiar senão um nível mais forte do detestar?
E então, já consegues dizer que odeias? Ou ainda sentes um nó no estômago só de pensar em admitir que possas sentir ódio?
Porque eu sei que odeias algumas coisas, e que há coisas que já odiaste e agora não, e coisas que ainda vais odiar quando as conheceres. Porque até uma criança odeia, e ninguém mais do que uma criança se permite expressar livremente o quantas vezes sente esta emoção negativa.
Sim, o ódio é uma emoção temida e repugnada.
Logo naqueles primeiros anos de vida em que livremente nos atrevemos a a expressar somos reprimidos e corrigidos e até atacados emocionalmente. Porque o ódio causa medo a muita gente que não entende que é apenas o reprimir desta emoção que a torna perigosa.
Certas emoções, quando por nós expressadas, não agradam aos outros e são os outros sempre aqueles que querem ensinar e incutir culpa, vergonha e remorso perante estas emoções negativas.
Desde pequenos somos condicionados a condenar a emoção negativa e a reprimir-la. Quer no meio familiar, quer na escola, igreja e comunidade, qualquer demonstração de qualquer emoção negativa foi alvo de ataque à tua pessoa.
Porquê? Porque a emoção negativa incomoda os outros, quanto mais não seja, chateia.
Sim, em emoção negativa és um chato, um picuinhas, um egoísta, um insensível .... Isto tudo no mínimo, porque no máximo, és um humano horrível, és um monstro!
E se eu te disser que todos os teus problemas, desde a autocrítica à indecisão, começam aqui, com este reprimir da emoção negativa, podes não acreditar, mas é a verdade. E por esta razão muito simples:
Quando a emoção negativa é projetada em relação aos outros, és má pessoa.
Quando a emoção negativa é projetada em relação ao próprio, és adorado(a) por todos.
Por este motivo, poucos são aqueles que aprendem a compreender em si e a lidar com as emoções, principalmente emoções negativas como esta.
Porque pior do que sentir ódio é depois sentir culpa e vergonha por sentir isso.
Só que pior ainda, é sentir que temos de aceitar para nós aquilo que não gostamos e com que não nos identificamos. Que temos de engolir, de conformar, de gostar ou pelo menos tolerar.
"Whatever you won't hate, you'll learn to tolerate." - Patrick Bet David.
"Seja o que for que não odeies, irás aprender a tolerar."
O ódio nada mais é do que uma expressão forte e inequívoca de um não.
E é bom sermos capazes de identificar, definir e expressar aquilo que para nós é um forte sim e aquilo que é um forte não.
Porque se sentimos que não podemos fazer isso ou que não temos o direito de fazer isso, então vamos continuar a aceitar o que não queremos e aprender a tolerar.
Muitas pessoas acreditam que têm de gostar de tudo o que lhes aparece no prato. Especialmente aquelas que buscam um caminho e mente mais positivos.
Mas a espiritualidade nada tem a ver com o gostar de tudo, nem sequer com o aceitar tudo.
Ser espiritual é entender e permitir que tudo tem o seu lugar, razão para existir e verdade própria, mas cada ser tem as suas preferências para si mesmo e deve fazê-las e expressar-las livremente e sem culpas.
Aceitar tudo não é ser espiritual, mas sim reflete uma falta de amor-próprio e falta de autoestima de um ser que não se permite reconhecer e aceitar as suas próprias preferências. Porque não entende que o significado de ser único e com as suas próprias preferências é distinguir entre o que prefere e escolhe ou não.
O Eu perde assim a sua identidade própria, aquilo que o define como o Ser único que é e diferente dos outros.
Se é algo que não gostamos, então devemos facilmente e confortavelmente expressar um, "não gosto", "não quero", "não aceito". E porque não um passo ainda mais longe e dizer, "detesto isso", "não suporto isso".
Nos relacionamentos com os outros, isto muitas vezes significa dizer, se é assim que gostas de ser ótimo, mas não é assim que gosto que sejam comigo. Detesto isso. Odeio isso.
E aceitar que o outro mude ou não, sem precisar que ele mude, pode significar termos de ser nós a mudar de direção para o lado que mais gostamos.
Odiar algo faz-te virar costas a esse algo. E isso é bom. É sinal que sabes muito bem o que queres para ti, o que mereces, o que aceitas, o que gostas, o que preferes.
E não, não é o sentir esta emoção que faz alguém atacar os outros com palavras ou ações, pelo contrário, é o acreditar que não podemos sentir esta emoção que não nos dá permissão de fazermos as nossas escolhas, e isso reprime e abafa o nosso ser, e que também não nos deixa dar permissão para os outros fazerem as suas escolhas, querendo-os obrigar a conformar e tolerar.
Já o dizer um forte "odeio" é bater o pé e deixar bem claro, especialmente para nós mesmos, que não, não gosto, não quero, não aceito.
Com isto não estou a dizer que o ódio é uma emoção positiva, porque obviamente não é. Nem é uma emoção benéfica.
É benéfico sentir e identificar esta emoção, mas não é benéfico a manter em nós. Como qualquer emoção negativa não deveria de permanecer no ser mais do que uns segundos ou minutos, o tempo necessário a definir a situação e fazer a escolha certa para nós.
Mas faz parte da vida, de um primeiro encontro, de uma primeira experiência, e no momento todos nós a sentimos, e, por incrível que pareça, é o ignorar, abafar e reprimir que faz com que esta emoção nunca seja libertada e que por isso por vezes saia para fora de formas que não são saudáveis, nem para nós, nem para os outros.
Treina então a tua mente a dizer "odeio". Sem culpa e sem vergonha.
Primeiro, porque abafares a emoção em ti não a anula.
Segundo, porque só com o conhecimento e entendimento do que a emoção te diz é que podes ouvir também a direção em que ela te guia.
Terceiro, porque tens muito mais emoção negativa reprimida em ti do que aquela que te permites conhecer e isto é prejudicial para a tua saúde mental e física e para o sucesso da tua vida.
Está na hora então de desmistificar e acabar com esta onda do "pensamento positivo" onde uns vivem a culpar-se e outros vivem a enganar-se.
Porque não há ninguém, ninguém que esteja vivo, que não sinta emoção negativa. E se alguns conseguem com mais facilidade a sacudir do pensamento e avançar para a frente é porque permitem-se sentir o seu todo e não condenam nada em si.
E isto é a aceitação, o amor-próprio, a autoestima, que permite que a voz do negativo diga o que o "eu" precisa para que possa viver o seu caminho pessoal.
Porque o nó que talvez ainda sintas no estômago só de pensar em fazer isso não vem de não seres capaz de odiar, nem de não haver nada que odeies, mas sim da autocrítica que automáticamente surge e que te diz que só odeia quem é uma pessoa horrível, e tu não és horrível, logo não podes odiar.
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